O Crime Perfeito - Adriana Costa

Eu estava cobrindo o plantão de outro detetive no hotel Iate Plaza na av. Abolição. Depois de um período sem nada para fazer, no terceiro dia o subgerente procurou-me com urgência para resolver um problema no quarto 906. Subimos os dois pelo elevador e encontramos a porta entreaberta. Uma das camareiras se encontrava no meio do quarto, o rosto lívido a olhar a mancha de sangue que se formava no chão e que vinha abundantemente do guarda-roupa. Sem precisar forçar, abri lentamente a porta e um cadáver já enrijecido desabou de costas sobre mim, ensopado de sangue e, para o meu espanto, antes de constatar mais alguma coisa, outro corpo que estava apoiado no primeiro também surgiu. No que me afastei destes, mais um terceiro corpo saiu de dentro do guarda-roupa tornando a cena ainda mais medonha, pois se tratava de uma senhora com aproximadamente 70 anos.

Ouvindo um baque, voltei-me para trás e vi que a camareira havia desmaiado e o subgerente parecia em estado de choque a olhar para os mortos. Imediatamente, chamei-o pelo nome para que voltasse a si e pedi-lhe que chamasse um médico e, claro, a polícia.

Depois de ter estendido os corpos sobre o chão do quarto, passei a analisá-los em busca de pistas. Os dois rapazes que se encontravam frente a frente dentro do guarda-roupa aparentavam certa diferença de idade, estavam bem vestidos e eram bem apessoados. Examinando o ambiente minuciosamente encontrei um balde de gelo com uma garrafa de espumante ainda fechada e duas taças, o que indica que um dos três mortos não estava convidado. Uma bolsa de verniz preta no chão que, provavelmente pertencia à senhora, continha algum dinheiro, além de objetos pessoais da indumentária feminina. No mais, tudo estava no lugar, aparentemente nada havia sido roubado, nem dinheiro, nem cartões de crédito e nem objetos pessoais de valor. A cama não fora desfeita e nenhum outro objeto fora quebrado, não houve briga entre assassino e vítimas. Todos foram rendidos e entraram ainda vivos dentro do guarda-roupa. A senhora estava de frente, um dos homens de costas para ela e o primeiro a ser encontrado de frente para este.

Em busca de informações sobre os hóspedes junto ao hotel, soube que no quarto do crime estava hospedado Yossi Filho, a vítima que caíra primeiro por cima de mim. Um milionário da indústria de sapatos de couro, 42 anos, filho de judeus, branco, olhos azuis e cabelos lisos, desses que quando muito curtos ficam espetados. Casado e pai de um menino de dois anos. O segundo estava hospedado no numero 910, no outro lado do corredor e chamava-se Alan David Soares. Solteiro, 25 anos, moreno, cabelos escuros e curtos, olhos castanhos, estatura mediana, residente na cidade de Belém do Pará, trabalhava no comércio de roupas femininas. A senhora não estava hospedada no hotel, mas tratava-se de Maria de Lourdes David, avó de Alan.

O médico afirma que os corpos foram mortos há cerca de 3 horas, por volta de 11 ou 11 e meia da manhã. Mortos, cada um, com um tiro na cabeça por uma pistola FN Five Seven, uma arma moderna e eficiente, sendo que o Sr. Yossi recebeu, gratuitamente, mais três tiros nas costas. O fato de não terem sido ouvidos os tiros atesta o uso de um silenciador – trabalho de um assassino profissional.

Ao entrar em contato com a esposa do Sr. Yossi Filho, soubemos que este havia supostamente viajado para São Paulo a negócios. A esposa, que se chamava Sabrina, disse não saber por que seu marido se encontrava hospedado num hotel em Fortaleza e alegava não conhecer as outras vítimas e o quê os aproximava. Mas alguma coisa em sua voz chorosa revelava que ela ponderava antes de responder. O fato de ter um marido rico que fingia sair da cidade para manter um relacionamento amoroso a colocava como suspeita. Ela tinha motivos.

O mais intrigante parecia ser a presença de Alan e sua avó. A polícia seguiu os rastros de Alan nos últimos 6 meses e comparando os dados de uma e de outra vítima, Alan vinha se hospedando com freqüência no mesmo período e nos mesmos hotéis em que o Sr. Yossi Filho. Os pedidos de flores e espumantes para brindar tais encontros, nada casuais, e um bilhetinho de amor dobrado cuidadosamente e guardado na carteira de Alan, certamente contrariando Yossi, conclui-se que eram amantes... Mas o que a avó de Alan estaria fazendo no local do crime? Ela certamente não fora requisitada. Não há telefonemas a ela feitos do hotel ou dos respectivos telefones celulares das outras vítimas.

Pegando o endereço de Alan no registro do hotel, a polícia fez um breve interrogatório em sua residência na Av. Almirante Barroso em Belém. Ele morava com a avó desde que os pais morreram num acidente de ônibus viajando para Fortaleza quando Alan tinha apenas 5 anos. Sua avó manteve os negócios da família e Alan, quando atingiu maior idade passou a vir a Fortaleza para comprar a mercadoria. Nessas viagens conheceu Yossi, não se sabe bem quando, mas tornaram-se amantes.

Os vizinhos de Alan David não sabiam que a senhora Maria de Lourdes havia viajado, ela provavelmente decidira seguir o neto, desconfiada de alguma atitude ilícita, sem contar a ninguém.

Tudo indicava que a resolução do caso deveria estar nos rastros de Sabrina Yossi, por isso segui seus passos desde o enterro para analisar seu comportamento. Impecavelmente vestida a viúva mantinha a cabeça inclinada nos ombros de uma amiga e de vez enquando trocava palavras e chorava abraçada ao filho, Danilo. Sem nunca tirar os óculos escuros. Seu comportamento manteve-se previsível durante todo o enterro. A esposa de Yossi era bonita, formada em arquitetura, mas nunca exerceu a profissão, sempre viajava para o exterior para gastar o dinheiro do marido. Durante o processo de investigação mostrou-se muito solícita e afirmou não fazer idéia das atividades obscuras do marido, muito menos de sua bissexualidade. No seu duplo sofrimento de mulher enganada, desempenhava muito bem o papel de vítima.

Após o enterro, estacionei o carro perto da mansão e me aproximei para observar o movimento na residência de Yossi. Embora o muro fosse protegido de invasores por uma cerca elétrica, as grades decoradas permitiam visualizar bem o jardim e parte da casa. Poucas pessoas apareceram de visita para prestar condolências, nenhuma suspeita. À noite, Orlando,o motorista, demonstrou uma atitude estranha. Uma das janelas que eu conseguia observar parecia ser de um escritório e pela movimentação da dona da casa e do motorista, eles pareciam estar discutindo. Após a discussão Orlando saiu no carro da família Yossi cantando pneus.

Fui no seu encalço até av Borges de Melo, ele estacionou o carro frente a uma casa humilde em uma rua pouco movimentada próxima a ferrovia. Desceu do carro aborrecido e, batendo a porta, chamou alguém que estava no interior de uma casa que aparentava ter somente um cômodo e talvez um banheiro. Um senhor de idade apareceu na porta e ambos entraram, mas o motorista não permaneceu mais que vinte minutos. Quando ele foi embora eu desci do carro para investigar de quem se tratava. Na casinha morava o pai do motorista, Sr. José da Silva. Ele tinha mais uma filha, que não morava com ele e segundo a vizinha se dera bem na vida e sumiu do bairro, a filha se chamava Sabrina!

Conjeturando o qual devia ter sido o plano de Sabrina Yossi e seu irmão, retornei à residência dela. Juntando as peças do quebra-cabeça, Sabrina e seu irmão Orlando planejaram o assassinato de Yossi Filho para herdar a fortuna do milionário, mas nos seus planos provavelmente a senhora Maria de Lourdes apareceu por acaso. Para elucidar os detalhes que me escapavam apresentei-me sem delongas e pressionei os irmãos assassinos afirmando ter provas concretas do crime que cometeram.

Embora ambos se mostrassem desesperados diante das acusações, afirmaram inocência. Segundo Sabrina, Yossi conhecia sua origem humilde e ao apaixonar-se por ela tirou-a da pobreza e ajudava o irmão e o pai de maneira discreta, pois não queria que seu círculo de amizade descobrisse o passado pobre de Sabrina. Ela realmente não sabia que o marido tinha um relacionamento homossexual, mas imaginava que fosse traída, pois ele viajava muito e a traição não seria de se espantar. A discussão dos dois devia-se a que o irmão já não achava necessário manter o pai na mesma casinha pobre depois que Yossi morreu. Por mais que eu quisesse ter solucionado o caso neste momento, os olhos deles mostravam que diziam a verdade.

Voltei para o carro sentindo-me completamente sem chão. Depois de rodar um pouco pela cidade tentando organizar os últimos acontecimentos na minha cabeça, entrei no Café La Habanera perto a praia de Iracema e peguei o Diário do Nordeste para ler. Na coluna social uma foto exibia o empresário do ano: Ildebrando Fonseca, o único concorrente de Yossi Filho na indústria de sapatos de couro no Ceará. As investigações sobre o caso Yossi recomeçaram.


Adriana Costa

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