tag:blogger.com,1999:blog-36526453162656767452024-03-05T04:59:02.262-08:00Oficina do Conto - BNB Fortaleza 2007com Tércia Montenegrosrtα α∂riαηα costαhttp://www.blogger.com/profile/12865442582850355506noreply@blogger.comBlogger9125tag:blogger.com,1999:blog-3652645316265676745.post-36771840228658686072008-08-29T20:50:00.000-07:002009-10-08T15:27:12.426-07:00Apresentação<div style="text-align: center;">***<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizpKnfGw5iV9y2ikrC275ODEBMZcxF5i9naTTuenRwa7IF2LgstXcQwCvN6miE3qX_t50zTGLWmkpYP9OHS0JRLRxsD-6j8lD9qPwQ1gVRxF8-eKkynPtLBUw4ujzaIjePkgmyvv-Nu-U/s1600-h/249073.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizpKnfGw5iV9y2ikrC275ODEBMZcxF5i9naTTuenRwa7IF2LgstXcQwCvN6miE3qX_t50zTGLWmkpYP9OHS0JRLRxsD-6j8lD9qPwQ1gVRxF8-eKkynPtLBUw4ujzaIjePkgmyvv-Nu-U/s400/249073.jpg" /></a><br />
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<div style="font-family: trebuchet ms; text-align: left;"><span style="font-size: 85%;"><b><br />
</b></span><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: 85%;"><b>Contos produzidos na <span style="font-style: italic;">Oficina do Conto</span> ministrada pela escritora <span style="font-style: italic;">Tércia Montenegro</span>, realizada no Centro Cultural Banco do Nordeste em Fortaleza nos dias 15, 22 e 29 de setembro de 2007.</b></span><br />
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</div>Anonymousnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3652645316265676745.post-6373169318733659502008-08-29T20:49:00.000-07:002008-08-29T16:53:36.022-07:00Apresentação<p><br /></p><p>Os primeiros trabalhos da Oficina do Conto foram produzidos dentro do gênero policial a partir do conto <i>O Detetive de Plantão</i>, de Dashiel Hammett ou do mote <i>"Enquanto meu pai carregava as armas, minha mãe regava o jardim."</i></p> <p> </p> <p>A segunda proposta da Oficina foram contos de humor e contos intimistas. No caso do conto de humor, tema livre e para os contos intimistas a opção do mote com o trecho de "A Viagem Vertical", de Enrique Villa-Matas: </p> <p> </p> <p align="justify"><i>"Estou passando por um mal momento, isso é tudo, não se preocupe. Mas é que já nem consigo tomar o café-da-manhã no caminho do escritório. No outro dia, ocorreu-me que não podia contar nada a ninguém. Ao meu lado ouvi uma pessoa dizendo a outra que, se pudesse decidir... E pensei: Se eu pudesse decidir, apagaria tudo. Estou mal, mas suponho que tudo vai melhorar. O pior foi o que me aconteceu ao ver meu rosto no espelho retrovisor de um táxi. Primeiro me recusei a reconhecê-lo, de tão desfigurado que me pareceu. Sem procurar comparações, imediatamente me ocorreram vários animais... Estou mal, o que é que se pode fazer... No outro dia, quando me olhei no espelho pela manhã, pensei que tendo um rosto como esse eu deveria ficar quieto para sempre. Pensei que nem sequer tinha o direito de falar sozinho..."</i></p> <p align="justify"> </p> <p align="justify">Por fim, no nosso terceiro encontro, a elaboração de contos fantásticos com tema livre.</p>Anonymousnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3652645316265676745.post-79474068389928672492008-08-29T16:44:00.002-07:002008-12-13T03:48:05.604-08:00Brindando a morte e fazendo amor - Jhon Abreu<p style="margin: 0cm 0cm 0pt; line-height: normal; text-align: right;" align="right"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" ><br /></span></p><p style="margin: 0cm 0cm 0pt; line-height: normal; text-align: right;" align="right"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >“Venha me beijar, meu doce vampiro”</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; line-height: normal; text-align: right;" align="right"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >[Rita Lee]</span></p><p style="margin: 0cm 0cm 0pt; line-height: normal; text-align: right;" align="right"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" ><br /></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" > </span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;"><span> </span><i>Lo</i> estava dirigindo <i>mio</i> Fiesta, flutuando no asfalto quente, mais negro que nunca, do meio dia tentando chegar ao quase sossego <i>del mio </i>apartamento. Quase <i>perché</i> no da frente moram uns <i>ragazzi </i>que escutam umas músicas dos anos oitenta que não têm fim. Não são feias, nem chatas, são até legais, e ficam o dia inteiro tocando em minha cabeça. </span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">Ouça! Essa é uma das que mais gosto, principalmente essa parte:<i> mulher é bicho esquisito, todo mês sangra.</i></span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;"><i>Io </i>estava chegando perto do sinal vermelho quando <i>mio</i> celular tocou. Parei o carro e atendi.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- <i>Pronto</i>, disse com <i>mio bello </i>sotaque italiano.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Emilia? - disse uma <i>voce </i>rouca de homem velho.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- <i>Chi parla</i>?<i> - </i>disse <i>io</i>, meio assustada. </span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Meu nome é Dionísio, podemos nos encontrar? É algo muito importante. Você é detetive, né? Pode me encontrar daqui a meia hora na lanchonete que tem em frente ao prédio do seu apartamento?<i> - </i>disse ele com um tom preocupado.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >Como <i>io</i> não esperava, demorei alguns segundos para responder. Respirei fundo.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Podemos sim, claro. Estarei <i>ti</i> esperando lá<i>.</i></span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Eu já estou aqui.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >Em pouco menos de vinte minutos <i>io</i> estava lá. Fechava os vidros do carro quando um homem, que nem sei bem porque, mas julguei ser Dionísio, talvez pelos cabelos grisalhos, ou pela expressão de preocupado quando batia com as costas dos dedos no vidro. Sorri e, com a mão, pedi que esperasse. Peguei minha bolsa, amarrei o cadarço do meu <i>All Star</i>, tranquei a porta do carro.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Então, o que <i>tu</i> tinha de tão importante? – falei logo quando saí.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Vamos nos sentar ali. Venha – hesitou como se achasse que <i>io</i> não gostasse do convite - Vamos tomar algo.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Certo.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >Sentamos próximo à porta. Chamou o garçom, pediu uma água com gás e perguntou o que <i>io</i> queria.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Um <i>Sprite</i>! - respondi</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">Então, ele começou a <i>parlare.</i></span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Emilia, o negócio é o seguinte: hoje pela manhã eu cheguei em casa e procurei por minha esposa. Fui até o quarto e a vi enrolada no lençol. Saí lento do quarto para não acordar ela. Há muito tempo ela tava doente. Desci pra varanda e fiquei na minha rede fumando meu charuto cubano. Olhei e senti falta de um dos espetos que ficam em frente à churrasqueira que eu via perfeitamente dali. Levantei-me, dei uma leve procurada pelo quintal. Nada. Pensei que algum empregado poderia ter pegado para lavar ou coisa do tipo e deixei pra lá. Subi novamente, olhei para minha esposa. Continuava imóvel. Puxei o um pouco lençol para dar um beijo de bom dia. Passei a mão pelo pescoço frio, muito frio por sinal, e senti um furo. Tirei todo o lençol e não havia nenhum vestígio de sangue. Fiquei assustado. Muito assustado, tanto que quase gritei, mas contive o grito para ter uma certeza: Pus o ouvido no peito dela e confirmei: Estava morta. Aquilo me chocou muito, não vou negar. <span> </span>Nem posso, pois mesmo que eu quisesse minha cara não deixa dúvida – não achei nada de angústia ou dor no rosto dele, talvez por <i>io</i> nunca tê-lo visto. Aí procurei investigar, superficialmente, o que poderia ter acontecido. Conversei com todos os empregados, e todos disseram a mesma coisa: Thomas, o irmão dela tinha estado lá pouco antes da minha chegada. Peguei o número do seu telefone que Helena, minha irmã, me deu e estamos aqui.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;"><i>Io</i> não me lembrava de nenhuma Helena, contudo exclamei</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- <i>Mamma mia!</i> Vamos <i>ragionare</i> um pouco. Primeiro tu sentiu falta do espeto, hum... Possível arma do crime. Não havia sangue, o que nos leva a crer que o assassinato não foi realizado no quarto, concorda?</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Nem no quarto e nem em qualquer outro lugar da casa. Vasculhei tudo. Tudo, tudo, tudo. O assassino teve bastante cuidado para não deixar vestígios. Olhei de ponta a ponta, e nada, nenhuma gotinha de sangue.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Quero falar com seus empregados. Quantos são?</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Duas na cozinha, uma na limpeza geral, um motorista, um jardineiro e... só. É. Só são esses. O motorista tá bem ali, não quer falar logo com ele?</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Não seria má idéia.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >Ele se levantou, chamou o homem de terno que tava paquerando uma das garçonetes da lanchonete e vieram até mim.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style=";font-family:Calibri;font-size:100%;" >- Boa tarde! - ele disse num tom que ainda imaginei galante.</span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- <i><span>Buon pomeriggio</span></i><span>! – respondi.</span></span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">Perguntei-lhe onde estava e o que fazia na hora do crime. O de sempre. Ele me disse que tinha tido um dia normal e que o mais era que o patrão tinha-o pedido para chegar mais cedo, porém, isso estava ficando comum às sextas-feiras. Gaguejou um pouco e tossiu.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- É que vou fazer meu <i>cooper. </i>– interrompeu-nos.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Então, tá. Vamos agora para a sua casa. Preciso que um legista veja sua esposa e também quero vasculhar lá<i> </i>à procura de pistas. <i>A proposito, </i>tua esposa está do jeito que tu encontrou, não está?</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Oh. Sim, sim, claro. Eu apenas tirei o lençol.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">Levantamo-nos, ele foi até o garçom e pagou a conta.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Vamos? – disse ele sorrindo, algo entre o cínico, o erótico e o desagradável. Talvez os três.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- <i>Io</i> vou no <i>mio</i> carro!</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Vamos no meu carro. – ele disse.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;"><span>Subimos por uma rua escura estreita, viramos à esquerda, andamos mais alguns quarteirões, enquanto <i>io</i> falava com o legista amigo meu. Pedi ao Dionísio o endereço da casa dele para dar ao médico. Ele pediu pra falar e quase tomou o celular <i>di</i> minha mão, explicou como chegar lá, desligou e entregou-me o celular. Chegamos à casa dele finalmente. Era quase cinco da tarde, o sol se punha lento e morno por trás dos edifícios azuis. Era uma casa grande, mas com um pequeno jardim. Na garagem dois carros, um importado. Lembrei de uma das músicas que os <i>ragazzi </i>escutam e cantarolei baixo quase rezando:<i> </i></span><i><span lang="PT">Oh Lord, won’t you buy me a Mercedes Benz? </span></i><span lang="PT">Ele disse que <i>io</i> podia ficar à vontade, que <i>io</i> olhasse tudo. </span></span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span lang="PT" style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">Por mais amador que ele (eu, ou qualquer um) fosse como detetive, de uma coisa tinha razão: não havia uma gota de sangue na casa.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">O legista me disse que não tinha certeza, mas achava que a vítima havia cheirado éter antes de ser morta. O que me levou a crer que a esposa havia sido carregada do quarto quando estava inconsciente. Óbvio. Falou-me também que, pelo calor do fígado, ela teria morrido no horário que Dionísio falou que havia saído para o <i>cooper. </i>Quando <i>io</i> já estava a <i>camminare,</i> tirando conclusões, e quase me precipitando, encontrei no jardim uma moça que até então<i> io</i> não tinha visto.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- <i>Buona notte!</i> – <i>io</i> disse.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Boa noite! – ela respondeu.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Você é parente da vítima?</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Quem morreu pelo amor de Deus?</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Tu não soube? A esposa do Dionísio...</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Não acredito. Mas o médico dela disse que ela estava tão bem. Ela já estava até conseguindo falar... – ela gritou baixo e incontido com lágrimas nos olhos muito pretos, pretíssimos, como o asfalto do meio dia.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Mas ela foi assassinada. – interrompi-a – logo hoje de manhã.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Oh meu Deus! Quem poderia ter feito uma coisa dessas?</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- É o que estou tentando descobrir. Tu trabalhas aqui?</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Eu cuido, ou melhor, cuidava da dona Mariana. E hoje pela manhã quando cheguei o Sr Dionísio me dispensou. Disse que ia passar o dia em casa e que cuidaria dela. Eu vim agora porque esqueci minha bolsa no quarto da empregada. E você, quem é?</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Emilia Rigammonti, detetive, muito prazer.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">Expliquei tudo a ela. Detalhe por detalhe. O que me disseram e o que descobri. Ela ficou indignada. Contou outra versão e fez as outras empregadas falarem a verdade.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">- Mas – retruquei- onde ele pôs o sangue dela?</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">E ela me perguntou se <i>io</i> tinha ido vasculhar a adega. <i>Io</i> disse que nem sabia que tinha adega na casa. Ela me levou até a escada, destrancou uma parede falsa que havia embaixo e me mostrou outra escada longa. Disse que não ia comigo, que tinha medo. Desci sozinha. Caminhei na escuridão com a mão na parede. Tirei minha lanterna do bolso quando cheguei lá embaixo e vi, ao fundo, bem ao fundo mesmo, várias garrafas, que <i>io</i> jurei serem de vinho. Aproximei-me, vi fotos de muitas mulheres coladas nas garrafas e meses escritos com tinta preta e em letra bem cursiva embaixo. Abri uma delas a que tinha a foto da vítima e cheirei: sangue apodrecendo. Já tinha minha conclusão formada quando, ao tentar voltar, bati o pé numa espécie de baú. Estava fechado com um ferrolho não muito antigo. Abaixei-me, abri o baú e fiquei perplexa com o que vi: Mais fotos de mais mulheres. E todas, aparentemente mortas. </span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">Saí dali o mais rápido que pude e estou te contando tudo agora. Espero que você os outros policiais dêem um jeito nesse <i>serial killer.</i> Por esses dias está chegando aí uma encomenda com todas as fotos que consegui carregar e o endereço dele. Caí de gaiata nesse navio, cara, não é assim que dizem?</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">Mandem alguém experiente nessas coisas conferir:</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:Calibri;">Nunca fui nem quero ser detetive.</span></span></p> <p style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt; line-height: normal; text-align: justify;"><span style="font-size:100%;"><i><span><span style="font-family:Calibri;">Ciao.</span></span></i></span></p> <div style="text-align: right;"> <span style="font-style: italic;">Jhon Abreu</span></div>Anonymousnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3652645316265676745.post-72947793535753354522008-08-29T16:44:00.001-07:002008-12-13T03:48:16.456-08:00O Crime Perfeito - Adriana Costa<p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Eu estava cobrindo o plantão de outro detetive no hotel Iate Plaza na av. Abolição. Depois de um período sem nada para fazer, no terceiro dia o subgerente procurou-me com urgência para resolver um problema no quarto 906.<span> </span>Subimos os dois pelo elevador e encontramos a porta entreaberta. Uma das camareiras se encontrava no meio do quarto, o rosto lívido a olhar a mancha de sangue que se formava no chão e que vinha abundantemente do guarda-roupa. Sem precisar forçar, abri lentamente a porta e um cadáver já enrijecido desabou de costas sobre mim, ensopado de sangue e, para o meu espanto, antes de constatar mais alguma coisa, outro corpo que estava apoiado no primeiro também surgiu. No que me afastei destes, mais um terceiro corpo saiu de dentro do guarda-roupa tornando a cena ainda mais medonha, pois se tratava de uma senhora com aproximadamente 70 anos.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Ouvindo um baque, voltei-me para trás e vi que a camareira havia desmaiado e o subgerente parecia em estado de choque a olhar para os mortos. Imediatamente, chamei-o pelo nome para que voltasse a si e pedi-lhe que chamasse um médico e, claro, a polícia. </span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Depois de ter estendido os corpos sobre o chão do quarto, passei a analisá-los em busca de pistas. Os dois rapazes que se encontravam frente a frente dentro do guarda-roupa aparentavam certa diferença de idade, estavam bem vestidos e eram bem apessoados. Examinando o ambiente minuciosamente encontrei um balde de gelo com uma garrafa de espumante ainda fechada e duas taças, o que indica que um dos três mortos não estava convidado. Uma bolsa de verniz preta no chão que, provavelmente pertencia à senhora, continha algum dinheiro, além de objetos pessoais da indumentária feminina. No mais, tudo estava no lugar, aparentemente nada havia sido roubado, nem dinheiro, nem cartões de crédito e nem objetos pessoais de valor. A cama não fora desfeita e nenhum outro objeto fora quebrado, não houve briga entre assassino e vítimas. Todos foram rendidos e entraram ainda vivos dentro do guarda-roupa. A senhora estava de frente, um dos homens de costas para ela e o primeiro a ser encontrado de frente para este.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Em busca de informações sobre os hóspedes junto ao hotel, soube que no quarto do crime estava hospedado Yossi Filho, a vítima que caíra primeiro por cima de mim. Um milionário da indústria de sapatos de couro, 42 anos, filho de judeus, branco, olhos azuis e cabelos lisos, desses que quando muito curtos ficam espetados. Casado e pai de um menino de dois anos. O segundo estava hospedado no numero 910, no outro lado do corredor e chamava-se Alan David Soares. Solteiro, 25 anos, moreno, cabelos escuros e curtos, olhos castanhos, estatura mediana, residente na cidade de Belém do Pará, trabalhava no comércio de roupas femininas. A senhora não estava hospedada no hotel, mas tratava-se de Maria de Lourdes David, avó de Alan.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">O médico afirma que os corpos foram mortos há cerca de 3 horas, por volta de 11 ou 11 e meia da manhã. Mortos, cada um, com um tiro na cabeça por uma pistola <i>FN Five Seven</i>, uma arma moderna e eficiente, sendo que o Sr. Yossi recebeu, gratuitamente, mais três tiros nas costas. O fato de não terem sido ouvidos os tiros atesta o uso de um silenciador – trabalho de um assassino profissional.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Ao entrar em contato com a esposa do Sr. Yossi Filho, soubemos que este havia supostamente viajado para São Paulo a negócios. A esposa, que se chamava Sabrina, disse não saber por que seu marido se encontrava hospedado num hotel em Fortaleza e alegava não conhecer as outras vítimas e o quê os aproximava. Mas alguma coisa em sua voz chorosa revelava que ela ponderava antes de responder. O fato de ter um marido rico que fingia sair da cidade para manter um relacionamento amoroso a colocava como suspeita. Ela tinha motivos.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">O mais intrigante parecia ser a presença de Alan e sua avó. A polícia seguiu os rastros de Alan nos últimos 6 meses e comparando os dados de uma e de outra vítima, Alan vinha se hospedando com freqüência no mesmo período e nos mesmos hotéis em que o Sr. Yossi Filho. Os pedidos de flores e espumantes para brindar tais encontros, nada casuais, e um bilhetinho de amor dobrado cuidadosamente e guardado na carteira de Alan, certamente contrariando Yossi, conclui-se que eram amantes... Mas o que a avó de Alan estaria fazendo no local do crime? Ela certamente não fora requisitada. Não há telefonemas a ela feitos do hotel ou dos respectivos telefones celulares das outras vítimas.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Pegando o endereço de Alan no registro do hotel, a polícia fez um breve interrogatório em sua residência na Av. Almirante Barroso em Belém. Ele morava com a avó desde que os pais morreram num acidente de ônibus viajando para Fortaleza quando Alan tinha apenas 5 anos. Sua avó manteve os negócios da família e Alan, quando atingiu maior idade passou a vir a Fortaleza para comprar a mercadoria. Nessas viagens conheceu Yossi, não se sabe bem quando, mas tornaram-se amantes.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Os vizinhos de Alan David não sabiam que a senhora Maria de Lourdes havia viajado, ela provavelmente decidira seguir o neto, desconfiada de alguma atitude ilícita, sem contar a ninguém.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Tudo indicava que a resolução do caso deveria estar nos rastros de Sabrina Yossi, por isso segui seus passos desde o enterro para analisar seu comportamento. Impecavelmente vestida a viúva mantinha a cabeça inclinada nos ombros de uma amiga e de vez enquando trocava palavras e chorava abraçada ao filho, Danilo. Sem nunca tirar os óculos escuros. Seu comportamento manteve-se previsível durante todo o enterro. A esposa de Yossi era bonita, formada em arquitetura, mas nunca exerceu a profissão, sempre viajava para o exterior para gastar o dinheiro do marido. Durante o processo de investigação mostrou-se muito solícita e afirmou não fazer idéia das atividades obscuras do marido, muito menos de sua bissexualidade. No seu duplo sofrimento de mulher enganada, desempenhava muito bem o papel de vítima.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Após o enterro, estacionei o carro perto da mansão e me aproximei para observar o movimento na residência de Yossi. Embora o muro fosse protegido de invasores por uma cerca elétrica, as grades decoradas permitiam visualizar bem o jardim e parte da casa. Poucas pessoas apareceram de visita para prestar condolências, nenhuma suspeita. À noite, Orlando,o motorista, demonstrou uma atitude estranha. Uma das janelas que eu conseguia observar parecia ser de um escritório e pela movimentação da dona da casa e do motorista, eles pareciam estar discutindo. Após a discussão Orlando saiu no carro da família Yossi cantando pneus. </span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Fui no seu encalço até av Borges de Melo, ele estacionou o carro frente a uma casa humilde em uma rua pouco movimentada próxima a ferrovia. Desceu do carro aborrecido e, batendo a porta, chamou alguém que estava no interior de uma casa que aparentava ter somente um cômodo e talvez um banheiro. Um senhor de idade apareceu na porta e ambos entraram, mas o motorista não permaneceu mais que vinte minutos. Quando ele foi embora eu desci do carro para investigar de quem se tratava. Na casinha morava o pai do motorista, Sr. José da Silva. Ele tinha mais uma filha, que não morava com ele e segundo a vizinha se dera bem na vida e sumiu do bairro, a filha se chamava Sabrina!</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Conjeturando o qual devia ter sido o plano de Sabrina Yossi e seu irmão, retornei à residência dela. Juntando as peças do quebra-cabeça, Sabrina e seu irmão Orlando planejaram o assassinato de Yossi Filho para herdar a fortuna do milionário, mas nos seus planos provavelmente a senhora Maria de Lourdes apareceu por acaso. Para elucidar os detalhes que me escapavam apresentei-me sem delongas e pressionei os irmãos assassinos afirmando ter provas concretas do crime que cometeram. </span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Embora ambos se mostrassem desesperados diante das acusações, afirmaram inocência. Segundo Sabrina, Yossi conhecia sua origem humilde e ao apaixonar-se por ela tirou-a da pobreza e ajudava o irmão e o pai de maneira discreta, pois não queria que seu círculo de amizade descobrisse o passado pobre de Sabrina. Ela realmente não sabia que o marido tinha um relacionamento homossexual, mas imaginava que fosse traída, pois ele viajava muito e a traição não seria de se espantar. A discussão dos dois devia-se a que o irmão já não achava necessário manter o pai na mesma casinha pobre depois que Yossi morreu. Por mais que eu quisesse ter solucionado o caso neste momento, os olhos deles mostravam que diziam a verdade.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Voltei para o carro sentindo-me completamente sem chão. Depois de rodar um pouco pela cidade tentando organizar os últimos acontecimentos na minha cabeça, entrei no Café <i>La Habanera</i><i> </i>perto a praia de Iracema e peguei o Diário do Nordeste para ler. Na coluna social uma foto exibia o empresário do ano: Ildebrando Fonseca, o único concorrente de Yossi Filho na indústria de sapatos de couro no Ceará. As investigações sobre o caso Yossi recomeçaram.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"><span style="font-family:Georgia;"><br /></span></p> <p style="margin-left: 35.45pt; text-align: right; text-indent: -35.45pt;" align="right"><i><span style="font-family:Georgia;">Adriana Costa</span></i></p>Anonymousnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3652645316265676745.post-63377398346071998012008-08-29T16:42:00.002-07:002008-12-13T03:48:26.581-08:00Coração de mãe - Raimundo Ivan de Melo<div style="text-align: justify;"><br />Maria das Dores, com uma criança nos braços, estendeu<span> </span>a mão pedinte ao motorista de um carro importado parado no sinal vermelho. Os meninos corriam para os outros </div><p style="text-align: justify;">Carros e repetiam o mesmo gesto da mãe. Dentro do veículo, um casal. Rapidamente a janela foi fechada. O homem virou o rosto e a mulher, comovida e cheia de indignação, comentou:</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><br /><span> </span>-Expor assim as crianças. É desumano! Isso não é mãe!</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> <span> </span>O homem, com vasto conhecimento das relações humanas e sociais, completou:</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> <span> </span>-Ela só vê seus interesses e explora nossa sensibilidade à custa do sofrimento dessas crianças inocentes.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>Passavam por ali todos os dias. Ela, psicóloga; ele, sociólogo. Eram professores universitários e não tinham filhos. Moravam num luxuoso condomínio do outro lado da avenida.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>A mendiga voltou ao seu abrigo debaixo do viaduto. Ali era sua morada. Dali ela observava o movimento dos carros e uma realidade muito mais distante da sua. Acolheu os meninos para dormirem. Em momentos de solidão, Das Dores cantava para as crianças, elas gostavam. Romário, o mais velho, Bebeto e Gisele, ainda de colo. Fora o pai que os batizara e depois de sua morte, Das Dores jurou que não teria outro homem, seu coração seria só de seus filhos. Isso lembrava uma música do tempo em que fora feliz: <i>“Meu coração eu não dou, porque não posso arrancar...”</i></p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-indent: 9pt; text-align: justify;"><i><span> </span></i>Quando as moedas ficaram escassas e a fome insuportável, pensou naquela música e em com alimentar as crianças. Naquela noite as crianças comeram carne. A pobre mãe cortou em fatias suas panturrilhas e serviu-as no jantar. Gisele, com seus dentes pequeninos, comeu em pedacinhos. Romário comia com voracidade e até furtava do prato de Bebeto. A mãe só observava, com satisfação, </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;">a pequena Gisele sorrir mordiscando pedaços de panturrilha. “Não me farão falta”, pensou.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>Pela manhã, Das Dores sentiu dificuldade para se dirigir até os carros. Sentia uma fisgada onde existiam panturrilhas. Novamente o casal estava ali e a mulher, plena de convicção, disse:</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> <span> </span>-Cada vez sinto mais raiva dessa mulher. Coitadas desses meninos.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> <span> </span>A mendiga, que não recebera uma só moeda, não se abatia. A refeição estava garantida. Serviu seus pés no jantar, claro que antes lavou-os bem. Achou muito prazeroso ver seus filhos se fartarem, encantou-se vendo Gisele roer aqueles pequenos ossos de seus pés, que eram menores ainda diante da felicidade dos filhos. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>Não podia mais ir até os carros, por isso ficava sentada sob o plástico, com um cobertor sobre as pernas. Os filhos faziam o trabalho. Estava quieta, mas se percebia satisfação em seu rosto quando olhava para as crianças. Achava-os até mais gordinhos.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>Perto de anoitecer, Das Dores já ficava imaginando qual parte do corpo serviria no jantar das crianças. Ela se contentava com um cigarrinho e umas doses de cachaça, “<i>porque ninguém é de ferro</i>”, pensava. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>Uma das pernas foi servida naquela noite e rendeu uma bela sopa que os alimentou por três dias. No quarto, os meninos já se antecipavam e sugeriam que parte do corpo da mãe iriam devorar na próxima refeição. Comeram a outra perna da dedicada mãe, que não se fazia de rogada, pois o sentimento materno a envolvia mais que a dor. Aprendera com sua falecida mãe</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;">Que devia, acima de tudo, zelar da saúde de seus filhos; poderia faltar tudo para a mãe, mas nada faltaria aos filhos. Nada a engrandeceria tanto quanto o bem-estar das crianças. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>Os que por ali passavam em seus carros tinham seu modo próprio de ver a coisa. Um homem de cavanhaque, paletó e óculos de grau comentou com seus companheiros:</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>- Essa família deveria estar exposta num outdoor, atestando a ganância e a coisificação do ser humano promovidas pelo capitalismo selvagem.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>Seus amigos elogiaram o discurso e a sensibilidade política do líder, pois para isso eram pagos, mas se entreolharam confusos, ao verem crianças que, apesar de sujas, eram gordinhas, de bochechas rosadas. A mãe, entretanto, estava em flagelo, distraída, olhando as crianças.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>Outro dia, comeram as vísceras de Das Dores Bebeto e Gisele, que tinham dentes pequenos , comeram-nas cozidas. Romário preferiu-as assadas. A mãe se divertia se divertia vendo a menina comendo e esticando aquele estranho alimento.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>As crianças não sentiam mais a fome de outrora, por isso não mais se interessavam tanto em mendigar as moedas dos motoristas. Agora passavam mais tempo brincando, o que alegrava Das Dores. Anoitecia e eles se aproximavam da mãe, que já imaginava, sem ressentimentos, seus dentes morderem-lhe as carnes. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>O casal esteve ali em seu carro importado. A mulher indignada não se conteve e gritou:</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>-Você não sabe ser mãe! Tudo o que elas precisam é de um abraço!</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> <span> </span>Das Dores agora ficava deitada, imóvel, coberta por um lençol, enquanto as crianças corriam. Não estendia mais a mão sequer, pois já não as tinha, nem os braços, pernas, nádegas, seios ou vísceras. Tinha coração. Coração de mãe. Gisele estava no seu colo, como sempre; Bebeto, do lado e Romário tocava o corpo magro de Das Dores, como se escolhesse o que comer do pouco que restara daquele corpo mutilado. A mãe, que o observava atenta, alertou:</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> <span> </span>-O coração não, escolhe outra parte.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> <span> </span>-Uma vez a senhora disse que seu coração era nosso.- respondeu o garoto.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> <span> </span>- Sim, mas hoje não. Sem ele eu morro e não poderei cuidar de vocês.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> <span> </span>Nessa noite, os meninos esqueceram a fome, esperariam o dia seguinte,quando estariam mais famintos. Ouviram dizer que coração de mãe era especial e enorme, e sabiam que a mãe não lhes negaria aquele órgão vital. Parou então aquele conhecido carro importado. Dele, o casal de professores olhavam estupefatos.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"><span> </span>Das Dores, deitada, tragava seu cigarrinho, que Bebeto segurava. Gisele se distraía com os pontos de fumaça que saíam por várias partes do corpo da mãe.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> <span> </span>-Ela não tem coração! Não valoriza a sorte que tem, enquanto umas dariam tudo para poder ter um filho. – desabafou a psicóloga, num tom confessional, dirigindo-se ao marido.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;"> <span> </span>Depois de olhar fixamente para Das Dores, o homem virou-se para a esposa e manteve-se em silêncio, mas o brilho de uma lágrima contida, em seus olhos, falavam mais que qualquer palavra. </p><p> </p><div style="text-align: right;"><span> RAIMUNDO IVAN DE MELO</span></div>Anonymousnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3652645316265676745.post-34744624714472798752008-08-29T16:42:00.001-07:002009-02-22T04:30:23.366-08:00Resistir ou não à tentação - Adriana Costa<p style="COLOR: rgb(49,49,49); TEXT-INDENT: 35.45pt; LINE-HEIGHT: 150%; TEXT-ALIGN: justify">Eu já tomei a decisão: eu vou. Preparei-me pacientemente para este momento. Até para o momento seguinte. Eu vou! Arrumei-me de forma atraente e sensual, vestido preto, salto, batom vermelho e olhos escuros. Olhos de gata no cio. O amor eu guardei carinhosamente na geladeira e só me fará arder novamente quando eu o quiser descongelar. Estou ansiosa, é claro, mas é uma ansiedade que está a meu favor porque me faz sentir mais bela na tarde nublada, o peito arfando de desejo. A minha cabeça tenta imaginar diálogos, carícias, ações. Espero não criar muitas expectativas, mas é bom procurar saber mais ou menos o que se vai dizer e determinar com antecedência o que se espera de um relacionamento como este, ao menos, para si mesmo. </p><p style="COLOR: rgb(49,49,49); TEXT-INDENT: 35.45pt; LINE-HEIGHT: 150%; TEXT-ALIGN: justify">Conhecemo-nos inesperadamente numa festa de família. Evitei o quanto pude cruzar o meu quase ingênuo olhar com o experiente olhar dele, mas a beleza é como um ímã para os olhos de uma mulher solitária, bem, solitária não, mas eu, com trinta anos completos ainda estava sem namorado. E quando Augusto me cumprimentou, pronto, veio a vertigem e de alguma forma eu sabia que o número do meu telefone estaria registrado no celular dele até o final da noite...</p><p style="COLOR: rgb(49,49,49); TEXT-INDENT: 35.45pt; LINE-HEIGHT: 150%; TEXT-ALIGN: justify">No segundo encontro, desta vez no churrasco de aniversário de minha mãe, ele não havia ainda me ligado, porém neste dia fomos recompensados pelo fato de a esposa dele não estar presente, então dançamos, rimos e nos beijamos rapidamente, escondidos por trás das costas largas de Lúcio, meu primo que tem nada menos que 140 quilos! Depois deste dia o meu celular passou a tocar com regularidade mostrando um nome falso no visor... Mas eu ponderei. Ele disse que eu tinha todo o direito de pensar e que a decisão era minha, contudo também disse que eu o faria o homem mais feliz do mundo se dissesse sim... Será que eu estava mesmo com aquela bola toda? Olhei-me no espelho muitas vezes à procura do que ele viu em mim e encontrei uma boca carnuda e rósea, uma pele levemente bronzeada, uma barriguinha saliente precisando ser malhada, os cabelos longos precisando de uma hidratação para não parecer <i>miojo</i>... Ainda assim a boca suplicava beijos.</p><p style="COLOR: rgb(49,49,49); TEXT-INDENT: 35.45pt; LINE-HEIGHT: 150%; TEXT-ALIGN: justify">Cinco longos meses até eu resolver encarar a situação, pois cinco meses depois de nos conhecermos continuo sem namorado e a boca continua suplicando beijos. É claro que Augusto achou dia e hora apropriados no mesmo instante, não desistiu, não recuou nem um centímetro de interesse pelo tempo que perdemos, pelo contrário, estava ainda mais ansioso. Ai, meu Deus, onde estou me metendo? Sem esperar pela resposta divina, posto que quem cala consente, lá vou eu! Não sem antes me convencer que este encontro pode ser o único e que não vou derramar nenhuma lágrima, nem me lamentar e nem me arrepender, afinal, posso não ter uma segunda chance se resistir a uma tentação como esta!</p><p style="COLOR: rgb(49,49,49); TEXT-INDENT: 35.45pt; LINE-HEIGHT: 150%; TEXT-ALIGN: justify">Olho para a estante e vejo <i>O Amante </i>de Marguerite Duras, e penso que esta pode ser a oportunidade para um novo relacionamento. Mas dessa vez sem amor, pois o amor está guardado na geladeira.</p><p style="COLOR: rgb(49,49,49); TEXT-INDENT: 35.45pt; LINE-HEIGHT: 150%; TEXT-ALIGN: justify">O que será que ele dirá? Que galanteios? Pergunto eu. Fico imaginando o seu olhar sobre o meu corpo delineado no vestido, no decote e os dedos deslizando suaves, porém pretensiosamente em minhas costas. Nos últimos encontros os beijos foram nervosos, culpados, embora não conseguissem mais disfarçar um grande desejo sensual que já existia. No relógio de parede vejo que está quase na hora e suspiro profundamente. </p><p style="COLOR: rgb(49,49,49); TEXT-INDENT: 35.45pt; LINE-HEIGHT: 150%; TEXT-ALIGN: justify">Lá fora a tarde nublada desliza em asas de sanhaços.</p><p style="COLOR: rgb(49,49,49); TEXT-INDENT: 35.45pt; LINE-HEIGHT: 150%; TEXT-ALIGN: right"><span style="FONT-STYLE: italic">Adriana Costa</span></p>Anonymousnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3652645316265676745.post-5530653034212064532008-08-29T16:40:00.000-07:002008-12-13T03:50:40.092-08:00Foi assim - Vilemar Costa<p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><br /></span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">No decorrer da primavera de 1987, decidi por vários motivos pessoais – desocupado, ansioso, depressivo – empreender uma limpeza no quarto construído no fundo do quintal da casa.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Empreitada talvez difícil, talvez duvidosa.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Ao pé da porta giro a chave, mas embrulhos tolhem a entrada, contudo, já meio afobado consigo abri-la.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">De dentro vem um bolor nauseabundo envolvendo-mee que <span> </span>provocou em mim o mais violento enjôo de que já tive notícia. O estomâgo revolvia-se numa verdadeira tortura física, minhas entranhas saltitavam. Após alguns minutos, adaptei-me à situação e me senti um pouco melhor.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Principio a investigar o ambiente e constato que <span> </span>é estreito, estreito e incômodo. Estreito e opressivo !</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Virando apenas o rosto deparo-me com um <span> </span>retrato na parede direita que exibe um homem de bochechas penduradas, olhos saltados e ar cansado, com um palito pendurado no canto da bôca e nenhuma<span> </span>referencia <span> </span>sobre quem haveria de ser.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Já se passaram muitos minutos e eu ainda explorava o local no <span> </span>batente da porta de entrada.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Abaixo do retrato há uma velha estante, tôda carcomida, já bem roída em sua base pelos ratos que pululam em quantidades incríveis pelo assoalho, as portas estão velhas e esburacadas, as divisórias horizontais cobertas de excrementos de rato. </span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Um deles cruza minha frente e vejo que esses roedores possuem um rabo gordo e comprido que podemos comparar com um suculento pedaço de carne prontinho para ser devorado.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">O gosto na bôca fez-me cuspir o chicle na palma da mão, examina-lo atentamente e tornar a colocá-lo na bôca.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Nesse preciso instante tenho dúvidas. Há momentos em que a dúvida me assalta no meio de minhas empreitadas.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Elas se dissipam quando de repente sinto uma terrível coceira na perna; é sempre assim – nas horas mais impróprias, pronto, começa a coceira.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Retiro, <span> </span>do bolso da bermuda,<span> </span><span> </span>o anzol, pronto para esses momentos, e disponho a arranhar a coceira da perna; <span> </span>uma grande idéia e uma grande invenção essa do anzol coçador.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">De passagem percebo que a batata da perna é macia.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Retomo a investigação e vejo uma <span> </span>almofada lilás cheia de alfinetes sobre a mesa no centro da sala. No <span> </span>canto à esquerda da mesa, <span> </span>um almanaque da sociedade de hipologia.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Despego-me bruscamente do olhar a mesa e lembro-me de que esqueci que aqui vim para limpar esse catre.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Eram quatro horas da tarde quando iniciei e defini começar pelo arquivo e o que dentro dele se encontra.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">A essa altura,<span> </span>já no meio da sala, olho em volta e vejo tudo brilhando tão<span> </span>bestamente, um ofuscante brilho<span> </span>que me faz sentir vontade de sair, do quarto ou talvez<span> </span>seria sair de mim mesmo, de sair de minha pele pois em minha vida tudo era chato, chato demais. </span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><span> </span>Após um momento de reflexão convinha atribuir esse fenomeno ao mêdo, pois ele explica tudo... É o medo uma espécie de névoa que se origina de um certo descontrole, que provém da imperfeição de nossos sentidos e dos erros de nosso instinto.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Logo os músculos de meu rosto descontraem-se e percebo quão estupido e bêsta sou !</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Ao longe, bem ao longe ouve-se um surdo arrastar de pés.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Estático no centro da sala sou mordido por piolhos, um cardume deles, em busca da carne macia na batata das pernas<span> </span>para sugar. Mas o que eles não percebem é a mão espalmada, pesada, <span> </span>que se abate sobre eles e os dizima, fazendo jorrar o sanguie extorquido<span> </span>sobre o piso. <span> </span></span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Avanço em direção ao arquivo de aço e vejo sobre ele uma fôlha de papel em que está rabiscado o seguinte :</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">“já é demais. Os ratos agora mordem o próprio rabo e se deliciam degustando-os, piolhos dão bicadas em minhas<span> </span>costas e na planta de meus pés, baratas sobrevoam ao redor da mesa; tudo isso é monotono demais. Penso quando se mostrará algo diferente de vez em quando. Falta imaginação a essa paisagem. Um pouco de criatividade não faria mal a ninguém.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Já não suporto mais essa tensão em que a monotonia me coloca e que me apavora. “</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Fim do bilhete.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Esfrego o rosto com as mãos,<span> </span>balanço a cabeça, recuso-me a crer nesse delírio.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Volto para minha tarefa e eis que uma aranha esquisita (acho que é um escorpião) saiu de uma fresta no assoalho, olhou-me fixamente durante algum tempo, sempre movendo uma espécie de bigodinho e, de repente, injetou em si próprio todo o veneno contido em seu rabo.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Resumindo, suicidou-se diante de meus olhos. Mas, por quê escolher logo a mim para proceder de tal modo ? então não podia dar um jeito de fazer aquilo dentro de seu buraco? Fingi que não tinha visto, mas, francamente ! </span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Dentro de casa também acontece de ver catitas a galope, cachorros engolindo <span> </span>gatos, lagartos atravessando as paredes ... mas as coisas são feitas com mais discrição. Não passa pela cabeça de ninguém usar um <span> </span>tal procedimento na frente dos outros, só para se exibir ...</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Apresso-me, pois a noite se aproxima; <span> </span>providencio a chama de uma vela.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Então, penetra o quarto, vindo da entrada principal da casa, um murmúrio confuso como o de um enxame de abelhas. Estarão roncando ? Conversando ? Aqueles vagabundos, uns sem-vergonhas que ficam a beber,<span> </span>à toa pelas portas das casas, que passam por boas pela vida a fora; <span> </span>são eles.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Sopra , pelas frestas da única<span> </span>janela lateral, uma boa brisa.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">E ao olhar para a janela, <span> </span>me deparo com aquela foto postada ao lado, essa de um homenzarrão hercúleo, moreno queimado de sol, com peito cabeludo, trazendo várias argolas penduradas nas orelhas, e usava uma franjinha caída sôbre a testa. Possuía um olhar ferino e penetrante e<span> </span>há, entre os dentes, pendendo dos lábios, <span> </span>uma corda que parece mastigar. É também outro desconhecido e nada para identificá-lo.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Pendurado ao lado da foto descubro um caderninho anotado com uma espécie de lista de despesas. Parece até um livro de poesias. Anotava o que pagava e o que não pagava.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Movo-me com mais cuidado pois a penumbra da noite me faz ficar mais cauteloso, evitar qualquer passo em falso, evitar<span> </span>assim esmagar alguma largarta, ou pisar no rabo de algum rato ou romper a fina pelicula do dorso<span> </span>de alguma aranha.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Para dar maior claridade queimo o papel do relatado bilhete e no chão desenha-se a sombra da rede que se encontra pendurada entre os armadores de ferro.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Então vejo um olho humano abaixo dela.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">- Alguém perdeu ? Foi tirado à força ? Ou foi arrancado durante uma brincadeira de “retirar olhinho” ?</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Quem sabe possa apenas ter caído num movimento brusco, afinal o olho, no fundo, não passa de um orgão mal preso, uma bolinha espetada numa das cavidades do homem, nada mais.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Que diabos! estou mais uma vez desviando-me da tarefa inicial de limpar o arquivo.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">De volta, a noite já se fazia.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Avanço mais um pouco, abro a janela e o brilho do céu clareia o interior do quarto. Assim, posso ver o interruptor da lampada incandescente que jaz no centro do teto, e acendo-a. </span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">No estado em que me acho, meio atordoado da<span> </span>penumbra de há pouco, meio enjoado do mofo, que ainda rescende, já me vejo no fundo da sala. Não existe nada de interessante lá, exceto um arquivo grande de bronze, <span> </span>cheio de gavetas. </span><span style="font-size:100%;"></span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Este arquivo, além de ir do chão ao teto, parece não ter fim num indefinido numero de gavetas.</span><span style=";font-size:100%;color:red;" ></span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Um senso de curiosidade e espanto, misturado com horror surgia dentro de mim ao abrir as primeiras gavetas, totalmente vazias.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Em frenético e louco movimento puxei mais uma gaveta, a de baixo, <span> </span>que se estendeu <span> </span>metros e metros de tamanho infinito. O tamanho da gaveta não importa. Nem o tempo para abri-la;<span> </span>mas sim a <span> </span>infinita parede que formam as infindáveis gavetas.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Com a visão <span> </span>já embaçada pelo suor que escorre caudalosamente da testa aos olhos, <span> </span>sinto como se do arquivo algo me observasse, como se ele olhasse <span> </span>de volta para mim,<span> </span>sem dó, imóvel, insensível, estando <span> </span>eu<span> </span>já do outro lado da sala, <span> </span>segurando o gancho frontal da gaveta.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">E eis que de repente de dentro dela emerge violentamente, envolto num halo de um <span> </span>vermelho tão rico, tão escuro e tão vívido alguns personagens como que advindos de visões, mirações, sonhos ou delírios.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Um deles era tal qual o ex-presidente Médici, em traje preto semelhante a um balandrau templário, comprido até os tornozelos, mangas largas cobrindo os punhos, negro como um urubu <span> </span>e que estava à frente do cortejo portando uma adaga curvilinea brilhante, estando os demais com archotes reluzentes.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Eles caminhavam em direção a um globo de luz branca em cujo interior havia uma dama negra, totalmente despida, de seios rijos, pontiagudos, desafiantes e de cujo sexo exalava um vapor azulado semelhante a incensação feita com turíbulos.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Guardava o globo um pirralho, feio, cabeleira vasta desgrenhada, nariz adunco, olhos esverdeados, trajando apenas uma pequena sunga e com meneios e aparencia efeminada.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Para trás dele escorria uma longa cauda semelhante a cauda dos ratos que pululavam em redor do armário, gorda e balouçante. </span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Era uma espécie de ritual que iria se desenrolar.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Eis que surgidas não sei de onde, quatro pombas brancas iniciam circunvoluções sobre a cena. Mas suas asas pareciam as de um demônio.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Eu, paralisado, quase numa espécie de transe, sentia a terra tremer, ou seriam minhas pernas...</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Eis que observo que da ponta da adaga pende um papel ou tecido quase transparente, semelhante a um papiro, ou seria um pergaminho.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Apavorado recuo e resvalo na parede o que me propicia um outro ângulo de visão da cena.<span> </span>Agora, <span> </span>sob o clarão reflexo das estrelas e da lua transpassando a janela, a cena se transforma numa espécie de missa com um coro cantado pelas pombas, tendo por celebrante o guardião da bolha e o tal ex-presidente Médici debulhando nas mãos um terço, ou seria um rosário budista; <span> </span>seu cortejo bate frenéticas palmas e a dama negra requebra-se como se num coito, ofegante.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Não lembro quanto tempo passo olhando essa mise-em-scéne, talvez não mais que cinco minutos ou quem sabe uma eternidade. Mas me preocupa se estariam essas cenas associadas ao demônio ou seriam por ventura fragmentos do além, ou imagens <span> </span>nada simbólicas de sombras do astral, ou será que isso que importa agora sejam não <span> </span>mais que <span> </span>ensinamentos ?</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">A certeza que tenho é que sofro o peso do torpor que do medo desaba sobre mim, e <span> </span>meio que em desmaio percebo ser muito tarde, simultaneamente temendo pela vida.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">E da mesma forma com tudo começou, tudo terminou. Repentinamente, rude e bruscamente.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Do que narrei, o que me inquieta é saber por quê eu, uma mulher resolvida, 30 anos bem vividos, totalmente assumida em meu lado feminino, delicada e hetero, vim de ter essas projeções, essas visões de um mundo especificamente fálico, masculino, ativo ao ponto de me fazer narrar o sonhar acordado ainda utilizando-me de um narrador do genero masculino.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Mistérios do fantástico inconsciente ou fantasmas da alma que me pertubam...</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">O que sei de certo é que corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado, em plena madrugada, empapado de suor, ofegante e com muita sede, rumo ao meu quarto de dormir.</span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Foi tudo mais ou menos assim... </span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"> </span></p> <div style="text-align: justify; font-family: georgia;"> </div> <div style="text-align: right;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Vilemar F. Costa</span></div>Anonymousnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3652645316265676745.post-6974301776610570892008-08-29T16:32:00.001-07:002008-12-13T03:48:52.286-08:00Igarapé - Adriana Costa<p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;"><br /></span></p><p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Morávamos com nossos padrinhos e o filho deles, Felipe, numa pequena chácara num cinturão de mata vizinha à cidade de Belém. Acordei cedo e fui tomar café com minha irmã Cecília e com Felipe. Nós três éramos adolescentes e como tal bagunceiros e brincalhões. Mas neste dia eu estava um pouco retraída, pensativa sem motivo aparente. Enquanto Felipe ainda tomava o seu café, Cecília e eu pegamos nossos cadernos e livros e saímos para aula. </span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Íamos a pé por caminhos de terra batida no meio da mata de vegetação amazônica. Árvores altas, ervas, muitas trepadeiras, cipós descendo das árvores, flores silvestres que caíam pelo chão e nas águas dos igarapés onde, muitas vezes, nos banhávamos antes de voltar para casa. Felipe estudava no centro da cidade e nós duas com a população mais humilde, mas gostávamos de seguir aquele caminho todos os dias.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Nesta manhã, como eu estava sentindo-me ansiosa, mesmo sendo uma aluna aplicada, convenci facilmente Cecília a não ir à aula. Fomos nos banhar num igarapé. Deixamos os cadernos e os uniformes na margem e pulamos alegres naquela água fria e cristalina. A mata era muito fechada ao redor, um lugar de beleza inacreditável com cheiro de mato amassado. O sol iluminava, por entre as folhagens, exatamente o centro daquela água azul. Brincamos nadando atrás de peixinhos que iam para o fundo, podíamos ver a areia branca, mas não conseguíamos chegar até lá por causa da profundidade, a pressão da água nos empurrava pra cima. Chamei minha irmã e disse: </span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">– Cecília, vamos pegar bastante ar e mergulhar o mais fundo que pudermos! – Eu queria tocar a areia no fundo do igarapé. </span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Cecília sorriu e concordou com a cabeça. Enchemos nossos pulmões de ar e mergulhamos até não poder mais. Parecíamos estar dentro de um imenso aquário. Então percebi que minha irmã estava ficando sem ar, ela começou a nadar na direção da superfície o mais rápido que conseguia. Eu também já estava bebendo água e sentia que ia me afogar. De repente, não vi mais nada, tudo ficou escuro como adormecer sem ter sonhos.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Acordamos na margem do igarapé. Pegamos nossas coisas, nos vestimos e não trocamos nenhuma palavra sobre o que aconteceu. Fiquei com medo de falar, mas acreditei que minha irmã foi mais forte que eu e, apesar de ser menor, ela me salvou. Voltamos em silêncio.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Quando chegamos em casa, coloquei os cadernos sobre a cama e vi que Felipe já estava dormindo. Imaginamos que nossos padrinhos, Dona Josefina e senhor Armando, também já estariam. Era noite. Olhei para minha irmã e sorri, ela me correspondeu e isso me deu um alívio imediatamente. Deitamos-nos mais tranqüilas.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Pela manhã seguiria a mesma rotina, levantar, tomar café e ir para aula. Mas alguma coisa estava diferente naquela manhã. Vestimo-nos e nos sentamos à mesa. Nossos padrinhos não estavam em casa e Felipe tinha um ar de preocupação. Perguntei o que estava havendo e ele não respondeu, sequer olhou para mim ou para Cecília.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Mesmo achando estranho o comportamento de Felipe, sentei à mesa. Ele nem tocou no café, pegou sua mochila e saiu. Eu peguei a chaleira servi minha irmã e depois me servi. Levantei para pegar o pão e minha irmã disse: </span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;"><span> </span>– Regina, olhe para sua cadeira! – Olhei e vi que estava com o assento molhado. Eu não estava molhada e não percebi se a cadeira estava molhada quando me sentei. Não tinha sentido nada. Achei estranho e ao voltar para a mesa, lá estavam mais pegadas molhadas pelo chão. Fiquei assustada e Cecília também. O que estava acontecendo?</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;">Havia água ainda pelo corredor até chegar ao quarto e por onde passávamos deixávamos um rastro de água pelo chão, pelos móveis, em tudo que tocávamos. Cecília começou a chorar e eu tentei conter meu desespero que estava só aumentando. Deitamos juntas na minha cama, abraçadas e esperando que os pais de Felipe chegassem para nos dizer alguma coisa, se eles também sabiam o porquê daquela água, se havia algum cano vazando... Embora procurássemos uma resposta racional para o que estava acontecendo, alguma coisa nos assustava e não conseguimos sair para ir à aula. Estávamos com muito medo.</span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style=";font-family:Georgia;color:black;" >Então nossos padrinhos chegaram. Dona Josefina estava chorando muito e seu marido também se mostrava abatido, com os olhos vermelhos. Corremos em direção a eles, deixando um rastro de água atrás de nós, mas nem nos olharam. Passaram entre nós duas e foram até nosso quarto. Então ouvi Dona Josefina dizer: </span><span style="line-height: 150%; color: rgb(51, 51, 51);font-family:Verdana;font-size:10;" ></span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style=";font-family:Georgia;color:black;" >– Querido, veja, as camas de Regina e de Cecília estão molhadas! Meu Deus! O que significa isso, Armando? </span><span style="line-height: 150%; color: rgb(51, 51, 51);font-family:Verdana;font-size:10;" ></span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style=";font-family:Georgia;color:black;" >Não ouvimos mais nada, pegamos na mão uma da outra e saímos correndo dali, chorando. Paramos no meio da mata e nem percebemos como chegamos até lá. Só eu conseguia falar no meio daquela emoção totalmente nova para nós. </span><span style="line-height: 150%; color: rgb(51, 51, 51);font-family:Verdana;font-size:10;" ></span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style=";font-family:Georgia;color:black;" >– E agora, Cecília? O que faremos agora? – E choramos assim abraçadas por um tempo que eu não saberia determinar.</span><span style="line-height: 150%; color: rgb(51, 51, 51);font-family:Verdana;font-size:10;" ></span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style=";font-family:Georgia;color:black;" >Ainda abraçada à minha irmã, sentíamos-nos cada vez mais líquidas, as roupas encharcadas, a terra sob nossos pés virava uma lama que aos poucos formava uma poça de água. Já não tínhamos pés e nem pernas ao anoitecer. A água em que mergulhávamos era doce. Não eram as lágrimas do nosso desespero. Ao redor ouvíamos os barulhos da mata, dos bichos pisando as folhas, pássaros noturnos, insetos e cobras se arrastando. Pouco a pouco perdíamos o medo e uma paz nos invadia. Olhávamos uma para a outra, já submersas até as axilas e sorríamos.</span><span style="line-height: 150%; color: rgb(51, 51, 51);font-family:Verdana;font-size:10;" ></span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style=";font-family:Georgia;color:black;" >Os raios de sol penetravam as folhagens quando vi um reflexo brilhar antes do último piscar de olhos de Cecília.</span><span style="line-height: 150%; color: rgb(51, 51, 51);font-family:Verdana;font-size:10;" ></span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style=";font-family:Georgia;color:black;" > </span><span style="line-height: 150%; color: rgb(51, 51, 51);font-family:Verdana;font-size:10;" ></span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style=";font-family:Georgia;color:black;" > </span><span style="line-height: 150%; color: rgb(51, 51, 51);font-family:Verdana;font-size:10;" ></span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style=";font-family:Georgia;color:black;" > </span><span style="line-height: 150%; color: rgb(51, 51, 51);font-family:Verdana;font-size:10;" ></span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style=";font-family:Georgia;color:black;" >Acordei com uma sensação de afogamento, morte, angústia... Sentei-me na cama e toquei meu rosto, cruzei os braços em frente ao peito como se me abraçasse. A cama de Cecília estava vazia. Lembrei-me que ela fora passar o fim de semana com nossos pais no interior do estado e eu fiquei fazendo companhia à madrinha, sempre nos revezávamos para visitar nossos pais. Senti-me aliviada.</span><span style="line-height: 150%; color: rgb(51, 51, 51);font-family:Verdana;font-size:10;" ></span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style=";font-family:Georgia;color:black;" >Troquei de roupa, penteei os cabelos e ao sair do quarto olhei para trás, para o chão... Estava molhado...</span><span style="line-height: 150%; color: rgb(51, 51, 51);font-family:Verdana;font-size:10;" ></span></p> <p style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt; line-height: 150%;"><span style="font-family:Georgia;"> </span></p> <div style="text-align: right;"><span style="font-family:Georgia;">Adriana da Silva Costa<br /></span></div>Anonymousnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3652645316265676745.post-31072374932730233412008-08-29T16:28:00.000-07:002008-12-13T03:49:01.482-08:00Ou uma coisa ou outra... - Vilemar Costa<div style="text-align: justify;"><span style=";font-family:Verdana;font-size:100%;" ><br /><span style="font-family:georgia;">Há um</span><span style="font-family:georgia;"> </span><span style="font-family:georgia;">contemplar o abismo.</span></span><br /></div><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Há um abismo pendente do corpo estendido que se revira em direção a ele por que é necessário chegar lá.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">É necessário chegar por que é preciso levantar-se e cumprir a velha nova rotina que se processa desde há alguns anos.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">E lá estava eu prestes a chegar, sofrida e sofregamente. Arrasto-me na cama vexada e enxovalhada sem saber o porquê de tão doloso sofrer.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">É sempre a mesma questão : que força estranha move-me a sempre e sempre,<span> </span>repetir e repetir, um dia atrás do outro, a mesma cena...</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Só sei que há alguns anos não sou eu mesmo. Não me reconheço quando por fugazes instantes num lapso de tempo entre uma nuvem cinza do pensar e outra nuvem vazia, revejo-me tempos atrás, jovem de carreira universitária brilhante, uma bela esposa, amada e amante, sonhos e<br />desejos e esperanças a se amontoarem, um bebê. </span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">um brusco engasgue me traz à realidade ...</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Preciso sair da cama, penso nisso e esforço-me a cumprir essa vontade fraca e urgente, desde os primeiros albores do dia, pois também sei que em breve o estomago revolto precipitar-se-á pela<br />boca em golfadas verdes pastosas.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">É o inicio da síndrome.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">O sol se torna imenso a invadir o quarto e ainda não precipitei-me do abismo do estrado da cama, nessa luta que travo não sei mais desde quando, se desde o inico da madrugada ou desde o fim<br />da noite passada.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Num átimo ressurge a pergunta fatídica e amarga, mais amarga que a vontade incontrolável que começa a se apossar de minha boca seca, de meu corpo trêmulo, de minhas mãos<span> </span>suadas: que força estranha tem me empurrado pelas manhãs destes ultimos anos, que necessidade me conduz a provar do mesmo cálice ardente e rascante sempre e sempre, mesmo sabendo que tudo se repetirá novamente, os frêmitos, os tropeçares, as quedas, as noites de desmaio, e a<br />incansavel luta para erguer-me da cama, antes que o vômito a inunde.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">E ao erguer-me o espelho reproduz o ser fantasmagórico que não me reconheço. Já o era para ter retirado desse quarto, mas essa lembrança só ocorre quando desperto e luto para percorrer o<br />quilométrico caminho ligado por doze passos entre a beirada da cama e o banheiro.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Sei que em breve tudo voltará ao normal, basta-me vomitar, nausear-me, respingar os olhos, aguar a boca e preparar-me para o primeiro gole.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Tudo se resolverá após o primeiro gole, que invariavelmente retornará, <span> </span>se não de todo,<span> </span>mas uma porção golfada virá ao chão, preparando o deslizar mais suave do segundo trago.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">E se esse segundo se segura no estomago revolvido, <span> </span>o mundo começará a adquirir outra feição, menos cinza, menos sintomático, menos tremulo.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Talvez ganhe até uma côr antes que se esvazie o frasco do elixir...</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Não sei.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Rezas, mandingas, promessas, juras, hospitalizações, internações, até agora de nada adiantaram.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">O outro lapso no tempo permite que eu me pergunte :</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">- Será que não estou ainda imerso num grande sonho e que em breve despertarei e o mundo será cheio de cores, de sons de cheiros inebriantes ??? </span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Não importa se poderei dizer que o sonho acabou, <span> </span>o momento agora requer o esforço de assomar o abismo da lateral da cama que me separa do chão úmido e frio e percorrer a maratona dos doze passos até o banheiro e dele sair para sentar-me à porta de uma geladeira rescendendo a bolor, azedo e fedido, para iniciar o ritual que me reconduzirá à normalidade de não mais tremer, vomitar, ansiar, suar frio em bicas.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Vencerei esta vez, porém quantas mais vencerei e quantas mais virão a serem vencidas... </span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Preciso dar um basta nisso, preciso descobrir o que me arrasta sempre ao mesmo despertar no alvor matinal.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Já ouvi falar certa vez que há saída, e quando busco perceber na lembrança qual seja, o instante fugaz de lucidez me devolve ao esforço de erguer, caminhar, golfar, regurgitar, ingerir<br />e recomeçar...</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Ah vida real, como és cruel! Que sentido trazes, que partido tomas!</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Contudo hoje darei termo a tudo isso e não será outra promessa ou jura fingida pois hei de buscar a saída para esse remoinho que me assola.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Ligarei para onde me ofertaram ajuda, estenderei a mão e deixar-me-ei conduzir.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Contudo só após despegar-me da porta da geladeira e do copo pegajoso que jaz colado entre as duas mãos em tremor.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Mas que farei o telefonema juro que farei...</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Preciso apenas parar de contemplar esse abismo que se faz entre o estrado da cama, o chão frio e úmido, e dar o primeiro passo para a vida.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Ou desligar a camera em que roda esse mesmo filme já há alguns anos,<span> </span>de uma só vez.</span></p><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Ou uma coisa ou outra...</span></p><span style=";font-family:georgia;font-size:100%;" ><br /></span><br /><p style="text-align: right;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><b><span style="">Francisco Vilemar Ferreira Costa</span></b></span></p>Anonymousnoreply@blogger.com0