Brindando a morte e fazendo amor - Jhon Abreu


“Venha me beijar, meu doce vampiro”

[Rita Lee]


Lo estava dirigindo mio Fiesta, flutuando no asfalto quente, mais negro que nunca, do meio dia tentando chegar ao quase sossego del mio apartamento. Quase perché no da frente moram uns ragazzi que escutam umas músicas dos anos oitenta que não têm fim. Não são feias, nem chatas, são até legais, e ficam o dia inteiro tocando em minha cabeça.

Ouça! Essa é uma das que mais gosto, principalmente essa parte: mulher é bicho esquisito, todo mês sangra.

Io estava chegando perto do sinal vermelho quando mio celular tocou. Parei o carro e atendi.

- Pronto, disse com mio bello sotaque italiano.

- Emilia? - disse uma voce rouca de homem velho.

- Chi parla? - disse io, meio assustada.

- Meu nome é Dionísio, podemos nos encontrar? É algo muito importante. Você é detetive, né? Pode me encontrar daqui a meia hora na lanchonete que tem em frente ao prédio do seu apartamento? - disse ele com um tom preocupado.

Como io não esperava, demorei alguns segundos para responder. Respirei fundo.

- Podemos sim, claro. Estarei ti esperando lá.

- Eu já estou aqui.

Em pouco menos de vinte minutos io estava lá. Fechava os vidros do carro quando um homem, que nem sei bem porque, mas julguei ser Dionísio, talvez pelos cabelos grisalhos, ou pela expressão de preocupado quando batia com as costas dos dedos no vidro. Sorri e, com a mão, pedi que esperasse. Peguei minha bolsa, amarrei o cadarço do meu All Star, tranquei a porta do carro.

- Então, o que tu tinha de tão importante? – falei logo quando saí.

- Vamos nos sentar ali. Venha – hesitou como se achasse que io não gostasse do convite - Vamos tomar algo.

- Certo.

Sentamos próximo à porta. Chamou o garçom, pediu uma água com gás e perguntou o que io queria.

- Um Sprite! - respondi

Então, ele começou a parlare.

- Emilia, o negócio é o seguinte: hoje pela manhã eu cheguei em casa e procurei por minha esposa. Fui até o quarto e a vi enrolada no lençol. Saí lento do quarto para não acordar ela. Há muito tempo ela tava doente. Desci pra varanda e fiquei na minha rede fumando meu charuto cubano. Olhei e senti falta de um dos espetos que ficam em frente à churrasqueira que eu via perfeitamente dali. Levantei-me, dei uma leve procurada pelo quintal. Nada. Pensei que algum empregado poderia ter pegado para lavar ou coisa do tipo e deixei pra lá. Subi novamente, olhei para minha esposa. Continuava imóvel. Puxei o um pouco lençol para dar um beijo de bom dia. Passei a mão pelo pescoço frio, muito frio por sinal, e senti um furo. Tirei todo o lençol e não havia nenhum vestígio de sangue. Fiquei assustado. Muito assustado, tanto que quase gritei, mas contive o grito para ter uma certeza: Pus o ouvido no peito dela e confirmei: Estava morta. Aquilo me chocou muito, não vou negar. Nem posso, pois mesmo que eu quisesse minha cara não deixa dúvida – não achei nada de angústia ou dor no rosto dele, talvez por io nunca tê-lo visto. Aí procurei investigar, superficialmente, o que poderia ter acontecido. Conversei com todos os empregados, e todos disseram a mesma coisa: Thomas, o irmão dela tinha estado lá pouco antes da minha chegada. Peguei o número do seu telefone que Helena, minha irmã, me deu e estamos aqui.

Io não me lembrava de nenhuma Helena, contudo exclamei

- Mamma mia! Vamos ragionare um pouco. Primeiro tu sentiu falta do espeto, hum... Possível arma do crime. Não havia sangue, o que nos leva a crer que o assassinato não foi realizado no quarto, concorda?

- Nem no quarto e nem em qualquer outro lugar da casa. Vasculhei tudo. Tudo, tudo, tudo. O assassino teve bastante cuidado para não deixar vestígios. Olhei de ponta a ponta, e nada, nenhuma gotinha de sangue.

- Quero falar com seus empregados. Quantos são?

- Duas na cozinha, uma na limpeza geral, um motorista, um jardineiro e... só. É. Só são esses. O motorista tá bem ali, não quer falar logo com ele?

- Não seria má idéia.

Ele se levantou, chamou o homem de terno que tava paquerando uma das garçonetes da lanchonete e vieram até mim.

- Boa tarde! - ele disse num tom que ainda imaginei galante.

- Buon pomeriggio! – respondi.

Perguntei-lhe onde estava e o que fazia na hora do crime. O de sempre. Ele me disse que tinha tido um dia normal e que o mais era que o patrão tinha-o pedido para chegar mais cedo, porém, isso estava ficando comum às sextas-feiras. Gaguejou um pouco e tossiu.

- É que vou fazer meu cooper. – interrompeu-nos.

- Então, tá. Vamos agora para a sua casa. Preciso que um legista veja sua esposa e também quero vasculhar lá à procura de pistas. A proposito, tua esposa está do jeito que tu encontrou, não está?

- Oh. Sim, sim, claro. Eu apenas tirei o lençol.

Levantamo-nos, ele foi até o garçom e pagou a conta.

- Vamos? – disse ele sorrindo, algo entre o cínico, o erótico e o desagradável. Talvez os três.

- Io vou no mio carro!

- Vamos no meu carro. – ele disse.

Subimos por uma rua escura estreita, viramos à esquerda, andamos mais alguns quarteirões, enquanto io falava com o legista amigo meu. Pedi ao Dionísio o endereço da casa dele para dar ao médico. Ele pediu pra falar e quase tomou o celular di minha mão, explicou como chegar lá, desligou e entregou-me o celular. Chegamos à casa dele finalmente. Era quase cinco da tarde, o sol se punha lento e morno por trás dos edifícios azuis. Era uma casa grande, mas com um pequeno jardim. Na garagem dois carros, um importado. Lembrei de uma das músicas que os ragazzi escutam e cantarolei baixo quase rezando: Oh Lord, won’t you buy me a Mercedes Benz? Ele disse que io podia ficar à vontade, que io olhasse tudo.

Por mais amador que ele (eu, ou qualquer um) fosse como detetive, de uma coisa tinha razão: não havia uma gota de sangue na casa.

O legista me disse que não tinha certeza, mas achava que a vítima havia cheirado éter antes de ser morta. O que me levou a crer que a esposa havia sido carregada do quarto quando estava inconsciente. Óbvio. Falou-me também que, pelo calor do fígado, ela teria morrido no horário que Dionísio falou que havia saído para o cooper. Quando io já estava a camminare, tirando conclusões, e quase me precipitando, encontrei no jardim uma moça que até então io não tinha visto.

- Buona notte!io disse.

- Boa noite! – ela respondeu.

- Você é parente da vítima?

- Quem morreu pelo amor de Deus?

- Tu não soube? A esposa do Dionísio...

- Não acredito. Mas o médico dela disse que ela estava tão bem. Ela já estava até conseguindo falar... – ela gritou baixo e incontido com lágrimas nos olhos muito pretos, pretíssimos, como o asfalto do meio dia.

- Mas ela foi assassinada. – interrompi-a – logo hoje de manhã.

- Oh meu Deus! Quem poderia ter feito uma coisa dessas?

- É o que estou tentando descobrir. Tu trabalhas aqui?

- Eu cuido, ou melhor, cuidava da dona Mariana. E hoje pela manhã quando cheguei o Sr Dionísio me dispensou. Disse que ia passar o dia em casa e que cuidaria dela. Eu vim agora porque esqueci minha bolsa no quarto da empregada. E você, quem é?

- Emilia Rigammonti, detetive, muito prazer.

Expliquei tudo a ela. Detalhe por detalhe. O que me disseram e o que descobri. Ela ficou indignada. Contou outra versão e fez as outras empregadas falarem a verdade.

- Mas – retruquei- onde ele pôs o sangue dela?

E ela me perguntou se io tinha ido vasculhar a adega. Io disse que nem sabia que tinha adega na casa. Ela me levou até a escada, destrancou uma parede falsa que havia embaixo e me mostrou outra escada longa. Disse que não ia comigo, que tinha medo. Desci sozinha. Caminhei na escuridão com a mão na parede. Tirei minha lanterna do bolso quando cheguei lá embaixo e vi, ao fundo, bem ao fundo mesmo, várias garrafas, que io jurei serem de vinho. Aproximei-me, vi fotos de muitas mulheres coladas nas garrafas e meses escritos com tinta preta e em letra bem cursiva embaixo. Abri uma delas a que tinha a foto da vítima e cheirei: sangue apodrecendo. Já tinha minha conclusão formada quando, ao tentar voltar, bati o pé numa espécie de baú. Estava fechado com um ferrolho não muito antigo. Abaixei-me, abri o baú e fiquei perplexa com o que vi: Mais fotos de mais mulheres. E todas, aparentemente mortas.

Saí dali o mais rápido que pude e estou te contando tudo agora. Espero que você os outros policiais dêem um jeito nesse serial killer. Por esses dias está chegando aí uma encomenda com todas as fotos que consegui carregar e o endereço dele. Caí de gaiata nesse navio, cara, não é assim que dizem?

Mandem alguém experiente nessas coisas conferir:

Nunca fui nem quero ser detetive.

Ciao.

Jhon Abreu

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