Resistir ou não à tentação - Adriana Costa

Eu já tomei a decisão: eu vou. Preparei-me pacientemente para este momento. Até para o momento seguinte. Eu vou! Arrumei-me de forma atraente e sensual, vestido preto, salto, batom vermelho e olhos escuros. Olhos de gata no cio. O amor eu guardei carinhosamente na geladeira e só me fará arder novamente quando eu o quiser descongelar. Estou ansiosa, é claro, mas é uma ansiedade que está a meu favor porque me faz sentir mais bela na tarde nublada, o peito arfando de desejo. A minha cabeça tenta imaginar diálogos, carícias, ações. Espero não criar muitas expectativas, mas é bom procurar saber mais ou menos o que se vai dizer e determinar com antecedência o que se espera de um relacionamento como este, ao menos, para si mesmo.

Conhecemo-nos inesperadamente numa festa de família. Evitei o quanto pude cruzar o meu quase ingênuo olhar com o experiente olhar dele, mas a beleza é como um ímã para os olhos de uma mulher solitária, bem, solitária não, mas eu, com trinta anos completos ainda estava sem namorado. E quando Augusto me cumprimentou, pronto, veio a vertigem e de alguma forma eu sabia que o número do meu telefone estaria registrado no celular dele até o final da noite...

No segundo encontro, desta vez no churrasco de aniversário de minha mãe, ele não havia ainda me ligado, porém neste dia fomos recompensados pelo fato de a esposa dele não estar presente, então dançamos, rimos e nos beijamos rapidamente, escondidos por trás das costas largas de Lúcio, meu primo que tem nada menos que 140 quilos! Depois deste dia o meu celular passou a tocar com regularidade mostrando um nome falso no visor... Mas eu ponderei. Ele disse que eu tinha todo o direito de pensar e que a decisão era minha, contudo também disse que eu o faria o homem mais feliz do mundo se dissesse sim... Será que eu estava mesmo com aquela bola toda? Olhei-me no espelho muitas vezes à procura do que ele viu em mim e encontrei uma boca carnuda e rósea, uma pele levemente bronzeada, uma barriguinha saliente precisando ser malhada, os cabelos longos precisando de uma hidratação para não parecer miojo... Ainda assim a boca suplicava beijos.

Cinco longos meses até eu resolver encarar a situação, pois cinco meses depois de nos conhecermos continuo sem namorado e a boca continua suplicando beijos. É claro que Augusto achou dia e hora apropriados no mesmo instante, não desistiu, não recuou nem um centímetro de interesse pelo tempo que perdemos, pelo contrário, estava ainda mais ansioso. Ai, meu Deus, onde estou me metendo? Sem esperar pela resposta divina, posto que quem cala consente, lá vou eu! Não sem antes me convencer que este encontro pode ser o único e que não vou derramar nenhuma lágrima, nem me lamentar e nem me arrepender, afinal, posso não ter uma segunda chance se resistir a uma tentação como esta!

Olho para a estante e vejo O Amante de Marguerite Duras, e penso que esta pode ser a oportunidade para um novo relacionamento. Mas dessa vez sem amor, pois o amor está guardado na geladeira.

O que será que ele dirá? Que galanteios? Pergunto eu. Fico imaginando o seu olhar sobre o meu corpo delineado no vestido, no decote e os dedos deslizando suaves, porém pretensiosamente em minhas costas. Nos últimos encontros os beijos foram nervosos, culpados, embora não conseguissem mais disfarçar um grande desejo sensual que já existia. No relógio de parede vejo que está quase na hora e suspiro profundamente.

Lá fora a tarde nublada desliza em asas de sanhaços.

Adriana Costa

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